domingo, 18 de outubro de 2009

Dos meus desejos






Aparece chuva  
                            Chega de mansinho                              

                               Abafa o meu grito                                 

Aquieta o meu coração
Fecha os meus olhos

     Distrai com tuas gotas de luz
     Dá a tua  rara calma
  Traz a tua fina paz

sábado, 17 de outubro de 2009

Da inata (in?)sensibilidade

Desde quando o fato de eu não demonstrar interesse se tornou um problema? Não notei a transição, o momento em que meus (aparentemente ausentes) sentimentos resolveram causar o estranhamento das pessoas. Estas criaturas me conheceram a meu modo, talvez até tenham contribuído para que me tornasse o que eu sou hoje. Quando eu era criança, por exemplo, aglomerados de crianças não me interessavam. E ainda assim as reclamações dirigidas a mim vinham de minha mãe, quando eu adentrava a casa cheia de lama no corpo espalhando sujeira e cheiro desagravéis pelo piso brilhante da sala recém encerado. Entretanto, inevitável e irremediavelmente eu cresci. Hoje reclamam do não abraçar, do não cheirar, do não dizer, do não apaixonar, do não sentir. Desejo de volta as reclamações acerca da lama. De fato, eu não sou uma pessoa fácil de conviver, muito menos de conquistar. Não me apaixono, nem me interesso por qualquer coisa. Para mim os verbos abraçar, cheirar, dizer, apaixonar e sentir não são banais. E as ações correspondentes menos ainda. Eu preciso de envolvimento, de confiança, de segurança para executar essas ações. Isso é bom? Após minha própria indagação, dúvidas pairam ali, no lobo frontal do meu cérebro. Ali elas ficam aprisionadas. Tentam ser processadas. Esperam ser respondidas. Na falta de uma resposta rápida e conclusiva, restam-me os fatos. Eu NUNCA me apaixonei de verdade por ninguém. Não por incompetência de quem apareceu na minha vida (na maioria das vezes não foi por isso), mas pela minha possível incapacidade de me deixar atrair, de ser levada, de confiar, de me entregar. É bem verdade que eu nunca me joguei de um pára-quedas. Mas ninguém pode discordar: eu já encarei lá meus riscos, até mesmo cacei uns pela floresta dos meus questionáveis sentimentos. Na maioria das vezes, o fiz por gente que não valia a pena, por objetivos pelos quais não me adiantava esperar nem um satisfatório retorno e muito menos uma massagem “meia-boca” no ego. Até onde eu consigo organizar o raciocínio para minha defesa, isso já é uma prova substancial de que eu não sou totalmente desprovida de interesse e sensibilidade. Minha capacidade de correr riscos por pessoas ou coisas não tão valiosas me faz pensar que, diante da criatura e/ou da situação certa, eu seja impelida a agir como a vida espera que eu proceda. Então a cada dia me convenço mais e mais de que a minha hora ainda não chegou. Admito que o meu corpo, máquina em atividade, elabore diariamente estratagemas para se adaptar a uma situação desconhecida, mas iminente. A maravilhosa epopéia da minha adaptação biológica. A reciclagem, já em funcionamento, que vai me fazer enganar a seleção natural. Meu estômago está se preparando para suportar a futura hiperatividade das borboletas dentro dele. Meu coração está hipertrofiando para poder aguentar as batidas mais fortes. A água do meu corpo está a espera de deixar as minhas mãos suadas quando as primeiras gotículas de nervosismo se pronunciarem. Meus olhos vão sendo treinados para reconhecer o rosto esperado a metros de distância. Eu vou fazendo minhas reservas hormonais. Tudo isso para quando essa tal de paixão resolver aparecer... não consiga mais ir embora. ;)

Dos ruídos e das cicatrizes

Impreterivelmente habitas em mim como a um ruído que habita uma casa cheia de crianças
Estás em mim como marcas que definem a história de um rosto
Não pedi que interrompesses minha calma
nem que marcasses minha pele
Chegastes de repente, sem pedir licença
Desavisadamente, partistes
Sem cogitar se te deixarias ir
Mas os ruídos continuam, incessantemente
E as marcas insistem em se aprofundar
Não nego..és meu porque de ti sou feita
Aceito assim meu ofício de ser tua habitação
De ser minha a pele que abriga as cicatrizes
Ainda que não mais regresses
E mesmo que de mim jamais tenhas partido